A presença do boto nas cidades e regiões
ribeirinhas da Amazônia é sempre frequente.
A cada lugar, as estórias do boto são contadas de
forma mais fascinantes. O homem sedutor, quando ouve barulho de festa logo sai
do fundo das águas, para seduzir mais uma vítima.
Quando o arrasta-pé começa, o povo já espera, pois
na certa o boto vem. Moça no ciclo fértil o bicho também conhece de longe, pois
quando tomam banho à beira dos rios, já desapareceram. Os idosos, afirmam que
as moças são levadas pelo homem peixe e existem fatos de que mulher que passeia
em canoa, o boto sente logo o cheiro do sangue, o risco é na certa, o bicho
vira a canoa, e com força faz a embarcação se levantar, seus baques fortes e
estridentes fazem o terror. O bicho só se aquieta quando leva a vítima para o
fundo das águas.
Em certa cidade do oeste do Pará, o bicho escutou
barulho de música, saiu das águas, e gerando no corpo de gente calçou seus
belos sapatos brilhosos camuflados com escamas de acari, seu chapéu palha e
roupas brancas. Chegando à festa, seu olhar de imediato, de fora da sede, foi
em certo a uma cabocla, de belos cabelos longos, com olhar e sorriso
encantador.
Como a moça era filha de família muito reservada,
estava acompanhada sempre por seus pais, que não a deixavam só em nenhum
instante. O homem peixe se aproximou do povo e aproveitando a boa hospitalidade
procurou saber sobre a bela menina. Para atrair a atenção da vítima, exibia-se
dançando com outras moças, o homem enfeitiçador foi à atração da festa,
sapateava com classe o galanteador. A moça de vez em quando dava um sorriso, às
escondidas, dizendo dando a perceber que estava disposta a conhecer o rapaz
desconhecido. O boto circulava dançando no salão, e com cuidado dava o seu
jeito para pelo menos pegar na mão da pobre menina.
Como, não conseguia chegar mais próximo da vigiada
menina, de vez em quando tomava bebida alcoólica para se encher de mais coragem
e agir também como os demais que estavam na festa. A todo o momento, vinha
alguém e lhe oferecia um copo de cachaça, o bicho sem perceber que estava
ficando bêbado, tomava todas as doses que eram oferecidas.
A moça foi dançar com seu pai, e fez sinal que
queria falar com o desconhecido. O moço saiu para esperá-la fora da danceteria,
na parte de trás perto do mato. A moça pediu ao pai para ir ao banheiro. O pai
sempre desconfiado pediu para que uma amiga da menina confiável lhe que lhe
acompanha-se. A moça entrou e saiu do banheiro num só piscar de olhos para o
encontro, a amiga enfeitiçada com a praga do boto, estava distraída e parecia
estar paralisada, desfalecida. Correndo aos braços do homem peixe, a moça foi
logo beijada, o feitiço estava feito. Seduzida, estava sendo levada para longe,
talvez para dentro do lago.
Felizmente o pai, percebeu a demora da menina e
resolveu procurá-la, no banheiro encontrou somente a amiga da filha que estava
delirando. Por onde o homem boto passava, deixava no ar um cheiro de peixe, que
as mulheres não sentiam, pois para elas o fedor pitiú era transformado
em aroma de patchuli, mas os homens não eram enganados. O pai da
menina desconfiado fez logo alarme, gritando que o boto havia levado sua filha.
No mesmo instante, todos correram e seguiram o
cheiro deixado pelo bicho. Não muito longe viram que rumo ao rio um homem
levando nos braços uma moça despida. Como o bicho estava bêbado, não conseguia
correr.
Os curiosos e revoltados se aproximavam, e o
bicho-homem na agonia caiu, desesperado deixou a pobre menina e saiu dando
cambalhotas no chão.
Completamente alcoolizado, caiu várias vezes,
durante o percurso. O povo, cada vez mais se aproximava e armados com galhos de
pau e cacetes tentavam alcançá-lo para vingarem consequentes sumiços de moças
da redondeza.
O pai da última vítima, puxou com ira a camisa do
boto com a ponta dos dedos, a queda do bicho foi inevitável, em busca da
sobrevivência, levantou-se rapidamente com o intuito de pular no rio, pois
estava a apenas um metro de distância.
O bicho teria conseguido se não fosse um cacete que
jogado por um popular, lhe atingiu a nuca. Quando caiu foi logo atingido por
várias outras cacetadas por toda a parte do corpo.
A metade do bicho, que ficou dentro d’água, se
transformou na mesma hora em peixe.
A fera sedutora foi morta e completamente
esquartejada. A parte homem foi de imediato jogado para as piranhas devorarem e
a parte peixe jogada aos urubus sendo muito bem aproveitada.
A moça até hoje vive como se estivesse adormecida. Mas,
o que os populares não esperavam aconteceu.
Como o peixe era reconhecido pela sua raça como se
fosse o príncipe dos rios, os outros botos vieram a sua procura, ao chegarem
próximo a margem do rio, sentiram logo cheiro de morte.
Quando os botos constataram que o príncipe das
águas estava morto o desespero foi muito grande. Os bichos passavam em cardumes
pelo rio e com forte assovio, não deixavam nenhum morador ribeirinho dormir. A
praga estava sendo feita, pois se o bicho peixe fosse morto por mãos humanas,
pagariam pelo fato. E o feitiço se cumpriu.
A partir daí, se estendeu uma grande fome na
localidade. Pescador saia de casa para pescar, mas não trazia nada. As frutas
não vingavam nas árvores e caiam pecas por toda região.
Os botos se juntavam e choravam muito a morte do
príncipe. A praga durou sete anos e sete dias, agora aos poucos tudo está
voltando ao normal, o povo comenta que já foi eleito o novo príncipe dos rios.
Somente quem não se livrará do feitiço será a pobre
moça, nunca poderá casar-se, pois não sente atração por mais nenhum homem, seus
pequenos relacionamentos nunca darão certo.
Todos os anos no mesmo dia em que se realizou o
fato, os botos de todo o rio Amazonas se reúnem em frente onde o príncipe foi
morto e assoviam sem parar. Ainda hoje, os bichos sentem a falta do
companheiro.
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